Primeiramente, acho importantíssimo relatar que o Parkour ainda é uma prática pouco desenvolvida, principalmente neste aspecto esportivo. Apesar de existirem diferentes formatos de competição desde 2007 (se não me engano), não são comuns esses tipos de eventos, principalmente aqui no Brasil.
Importante também citar, que grande parte dos praticantes de Parkour são contra competições. Além de ter existido um movimento internacional chamado “Pro Parkour, Againt Competition”, há um medo de que a esportivização da prática possa afetar valores defendidos pelos praticantes nos últimos quase 30 anos.
Nós da Ponto B, defendemos vários destes valores que fazem parte da cultura do Parkour, porém acreditamos que, mesmo uma competição, se feita de uma forma bem direcionada, consegue trazer mais benefícios do que malefícios para nossa atividade.
Mas vamos lá. Decidi escrever este post pois no dia 27/06/2015 tivemos nosso primeiro desafio oficial, no formato competitivo. Apesar de em 2014 tivermos feito um evento piloto, neste ano decidimos colocar em prática o que estava sendo planejado desde então. Foi um evento interno, apenas para nossos alunos, mas já gerou bastante trabalho e resultados bem interessantes!
O desafio (ou competição, como preferir), funcionou assim: Os alunos inscritos foram divididos em 3 categorias (até 10 anos / 11 à 13 anos / 14 anos ou mais). Foram sorteados grupos, de 4 ou 3 integrantes, dentro destas categorias. O grupo todo fez um percurso determinado pela organização, juntos, sendo que haviam checkpoints no caminho, onde todos deveriam estar juntos para continuar. Haviam algumas regras, que quando infringidas, o grupo era punido com acréscimo de tempo. O tempo era cronometrado, gerando assim um ranking das equipes. Essa foi a primeira fase.
A segunda fase foram as finais. Os três melhores grupos (com menor tempo, considerando as punições) de cada categoria escolheriam um representante para disputar a fase final. Esta, sendo uma fase individual. O menor tempo desta fase, ganharia primeiro, segundo e terceiro lugar.
Este foi um formato simples, e que na minha opinião pouco importa. A principal parte está onde talvez nem todos conseguem ver. A maior aprendizagem para nós, alunos, pais e amigos, está intrínseca a tudo isso, vou citar alguns pontos que me chamaram atenção:
- Os grupos foram sorteados, então na maioria das equipes, havia pelo menos um integrante que não conhecia os demais, já que temos turmas em diferentes locais e diferentes horários. Isso, principalmente para as crianças, gera uma socialização fantástica. Muitos se conheceram na hora da largada, ou no aquecimento pouco antes de competirem. Em poucos segundos, já estavam se ajudando, pois toda equipe estava atrás de um mesmo objetivo. Você passar de desconhecido a parceiro num desafio, onde todos estão nervosos e tensos pela exposição, pais assistindo, pressão de não errar, foi muito legal! Um dos maiores objetivos era reunir os alunos para que se divertissem, e isso funcionou muito bem.
- Existe um princípio importantíssimo no treinamento chamado individualidade biológica. Isso é, cada sujeito tem suas características próprias, facilidades e dificuldades próprias, e respondem de forma diferente a cada estímulo. No desafio, alguns tinham mais dificuldade, outros mais facilidade. Para que todos conseguissem ir bem, o ‘melhor’ do grupo, muitas vezes teve que auxiliar aquele com mais dificuldade. Isso gera um senso de responsabilidade para aqueles que detém uma habilidade melhor. Lembrando que estamos longe de criar um evento totalmente competitivo com fins em valorizar apenas os melhores. Nosso desafio aqui, é não esquecer que o coletivo é sempre o mais importante. O mais legal disso tudo, foi ver como as maiores manifestações e aplausos por parte dos participantes, eram justamente quando alguém estava com dificuldade, e o colega ajudava. Isso mostrou que estamos no caminho certo. Que o trabalho que fazemos nas aulas está construindo pessoas que não pensam apenas em si, mas em todos. Parabéns aos professores da Ponto B, parabéns aos alunos que nos enchem de orgulho!
- Se o coletivo é o mais importante, por que ter fase individual? Colocamos os grupos em uma situação onde eles teriam que escolher o representante. Para os adolescentes e adultos, uma tarefa relativamente tranquila. Para as crianças, não sabíamos como isso funcionaria, quais conflitos poderiam surgir. Novamente, eles nos surpreenderam. Com certeza todos ali gostariam de participar da fase individual, era legal, divertido, desafiador. Quanta coisa podemos aprender, tendo que deixar de lado nossa vontade, e pensar um pouco mais na decisão do grupo?
- Nem tudo são flores, e sabemos muito bem que existe um lado não muito confortável em competições. Para alguém ganhar, alguém tem que perder. Apesar do meu foco ter se voltado para outras contribuições que o evento trouxe (muito mais do que para a medalha de ouro, prata, ou bronze), sabemos que a frustração esteve presente para alguns. Acho que esse sentimento é importantíssimo também. Saber que deu o seu melhor deve ser o suficiente. As vezes o nosso melhor não é o necessário para conseguirmos o que queremos. As vezes receberemos ‘nãos’ em todos os setores da nossa vida. Muitas vezes, por mais que trabalhemos duro para chegar a determinado resultado, podemos falhar. Como lidar com isso e seguir em frente? Na minha opinião, essa é uma tarefa para agora em diante. No dia-a-dia, nas aulas, criar a consciência que não importa o resultado final, o que importa é tentar ser melhor do que se era sempre, e isso não vale só para o Parkour.
- Tivemos limitações no evento também. Afinal, não é uma tarefa fácil organizar 64 participantes num período de 3 horas. Além de tudo, queríamos fortemente que houvesse pelo menos um tempo de treino livre pós-evento. Para que todos conseguissem curtir. Nesta de organizar, alguns participaram menos (em tempo) do que outros. Acredito que todos conseguem entender bem tais limitações, presentes em qualquer competição de qualquer modalidade. Ficamos felizes que no fim, não atrasamos o evento, e conseguimos cumprir relativamente bem o tempo que tínhamos. Isso gerou mais tempo de treino livre, que foi muito divertido também, uma interação mais livre e natural entre os alunos. Vale agradecer aos familiares e amigos que pacientemente acompanharam todo o evento, dando força e apoiando os participantes. Obrigado!
Ainda estamos digerindo a riqueza por trás de tudo o que aconteceu no evento. Quão legal e divertido é para nossa equipe e quanto desenvolvimento isso traz para as crianças, adolescentes e adultos que participaram.
No fim, sobrou o que o Parkour é, o que a Ponto B defende diariamente nas nossas aulas. Um monte de gente maneira, treinando e brincando juntos num percurso. Sinto um imenso orgulho de poder fazer parte disso. Também uma responsabilidade enorme, em saber que estamos trilhando um caminho não muito aceito por alguns, e completamente novo para muitos. Mas na prática, tive a certeza de que aquilo que é feito com o coração, não tem como trazer resultados negativos.
Agradeço a participação de todos, professores, familiares, amigos e alunos. Espero que muitos desafios venham e que aprendamos e cresçamos juntos a cada obstáculo que surgir. Em breve vamos postar as fotos e vídeos que gravamos no evento.
Foi um prazer estar com vocês no Ponto B Creed – Desafio de Inverno 2015.
Valeu!