Estava fuçando o PC hoje, procurando coisas antigas e apagando coisas inúteis. Até que achei algo bem interessante, que me foi de grande ajuda no começo dos treinos. Moving Through Fear (Movendo-se através do medo), é um artigo feito por Dan Edwardes, um dos diretores da Parkour Generations. O texto é de 2006, e não sei exatamente quem o traduziu, mas se o tradutor estiver lendo isto, me avise!

Boa leitura!

 

Por: Dan Edwardes / Tradução: Guilherme 

São os pequenos medos que sutilmente roubam nossas vidas. Os grandes valores – morte, perda, o sentido da vida… isso, geralmente, nós podemos ignorar e ignoramos na maioria de nossos dias. Filósofos e teólogos podem refletir sobre os detalhes de tais questões, mas a maioria das pessoas não têm tempo, ou procuram evitar esses pensamentos, ou apenas têm sorte por não serem massacradas por muita curiosidade. Muitos medos são racionais, naturalmente, e podem ser amigos de nossas vidas; o medo que aumenta nossa atenção em uma parte escura da cidade, por exemplo, ou o medo da queda que nós nos temos ao estar perto da beirada de um penhasco em um dia ventoso.

O medo, entretanto, é uma besta inteligente. É atrás da fachada amena do medo que repousa o real perigo, venenoso como a cauda do escorpião, sempre pronto a atacar.

Quanto de seu dia é “dedicado” aos pequenos medos? É mais do que você pensaria, a princípio. Os pequenos medos são os tipos de medo que nós mal notamos, no entanto ignoramos raramente. São os que fazem cada dia confortável: o medo da exclusão que nos inclina a ficarmos conformados em muitas situações; o medo de ser ridicularizado que nos silencia quando nós gostaríamos de rir espalhafatosamente; o medo da rejeição que faz com que nós evitemos muitas conexões em potencial. Nós já estamos acostumados com esses medos, pois eles se infiltram em nosso dia-a-dia sutil e suavemente, com o mínimo de conflito possível. São os medos que nos fazem cumprir o horário de trabalho, que nos impedem de desafiar a opinião e os métodos de nossos superiores.

O medo assegura-nos de estar constantemente na defensiva, respondendo sempre no presente aos nossos piores pensamentos do que o futuro trará se nós não nos prepararmos. O medo das conseqüências limita as ações que nós executamos. O medo se torna o ator em nossas vidas, enquanto nós gradativamente nos juntamos à audiência, assim tornando-nos espectadores passivos dos eventos rotineiros de cada um de nossos preciosos dias. Assim, nós desperdiçamos nosso tempo rebaixando-nos a estes medos, e nossas vidas passam despercebidas, sem dar chance a lamentações posteriores.

Mas o que isso tem a ver com o Parkour?

Tudo: praticar Parkour é procurar o medo diariamente, confrontá-lo cara-a-cara, enfrentá-lo despido e sozinho. No Parkour, você é descascado à sua essência. Não há nenhum equipamento para se confiar, nenhum fio de segurança ou estofamento para protegê-lo, nenhum colega da equipe para dividir o cansaço quando você está exausto. É você, apenas você. As únicas coisas que o impedem que você se machuque são suas qualidades, seu julgamento, sua habilidade – e de nenhuma outra pessoa. Isso é uma grande verdade; e também pode ser um grande fardo. É apenas você quem enfrenta seus medos; as teorias das outras pessoas não têm nenhuma importância aqui. Você não pode compreender seus medos de acordo com Freud ou Jung ou qualquer um – eles não estão com você quando você dá um Cat-leap ou faz um rolamento, eles não estão lá quando você executa um Vault. Nestes momentos só existe você.

Parkour é movimento, e todo o movimento está conectado ao medo. É através de um princípio chamado fear-reactivity, ou reação ao medo, que o nosso corpo aprende o que não fazer, por que não se mover em dado instante, por que não cair de alguma altura. Nós aprendemos a evitar a dor e a procurar o conforto, e se nós experimentamos algum desconforto devido a certa ação, nosso corpo normalmente nos desencoraja a tentar aquela ação em particular novamente. Resumindo, fear-reactivity é o nosso padrão de comportamento envolvendo movimento, respiração e postura. É “uma reação condicionada ao estresse, choque ou trauma. Isso se aplica a cada um de nós; ninguém escapa disso.”

Obviamente, esta condição faz parte do passado. Nosso corpo reage no presente ao medo daquilo que ocorreu no passado. Assim, o medo faz parte do passado. Ele vive na memória, e de lá é projetado ao futuro, e normalmente nós nos vemos vivendo no medo em um ou outro – no passado ou no futuro. Na verdade, isso significa que, no presente momento, o medo não existe .Então para estarmos livres do medo, o que nós devemos fazer é viver nesse presente momento, viver aqui e agora. Não é fácil, mas o Parkour é uma disciplina que pode nos ajudar nessa tarefa.

É correto dizer que nosso potencial físico natural está muito além do que nós nos limitamos a fazer. É a nossa condição física e mental que nos previne de acessar essa habilidade natural. Consequentemente, não é tão difícil adquirir habilidades e técnicas que irão nos levar a explorar esse talento, mas de preferência nos livrando de nossas próprias restrições. Não se trata de um aumento regular, mas uma diminuição regular. Nós só precisamos libertar nossas mentes para obter nosso potencial. Nós precisamos eliminar nossos medos para despertar nossa habilidade natural e graça. Tanto mentalmente quanto fisicamente, a prática da nossa Arte demanda que nós estejamos totalmente focados naquele momento e livres de limitações anteriores. E é nesse momento de pura prática que nós podemos começar a superar nossa fear reactivity, estando atento a ela e livrando-nos de seus padrões.

Tudo faz parte de um processo. Observe a si mesmo. Repare nas dúvidas, nos receios, nos pensamentos negativos, e na tensão de seu corpo enquanto você se move. Repare que todas essas coisas são escolhas que você pode fazer. Tensão é uma escolha. Faça um teste. Faça um rápido auto-diagnóstico de seu corpo e você irá notar que alguns músculos estão desnecessariamente tensos: agora escolha relaxar esses músculos. Fácil, uma vez que você está ciente de onde a tensão está. O truque está em fazer com que isso se torne cada vez mais natural, e nós podemos facilitar isso estando cientes durante a prática. Dessa maneira nós aprendemos a escolher nossas ações e respostas ao invés de simplesmente sermos produtos de nossas reações. Daí vem a habilidade de alcançar o seu verdadeiro potencial, e daí vem a maestria. É aí que vive o FLOW.

Quanto mais você é capaz de focar sua atenção para onde você está, naquilo que você está fazendo, menos energia e pensamentos você dará ao medo. Tudo que restará é a pura e completa ação. Esse conceito tem muitos nomes através de várias culturas e filosofias – mas novamente, é o nome que outra pessoa deu a uma coisa que nao é sua. Pratique, experimente, explore isso; então você descobrirá que você não precisa ter um nome pra isso.

O medo é uma coisa estática, ele não existe no movimento. Imagine uma trilha na selva à noite. Você caminha pela trilha cuidadosamente, sua mente imagina um ataque repentino de uma cobra ou aranha que desce da folhagem acima; aí vem o medo, e ele cresce a cada passo que você dá. Entretanto, imagine o que acontece quando a cobra aparece realmente – você reage instantaneamente, seu corpo e mente assimilam o momento num esforço combinado para escapar do raio de ataque: o reflexo instintivo. Neste exato momento, o medo não existe. Todo o seu pensamento está voltado para a fuga, para o escape. O medo existe antes do ataque, e ele com certeza voltará após o ataque (se você for rápido o bastante, é claro), mas naquele breve momento o medo não existe.

Uma coisa fascinante é que por quase todo o tempo que você esteve na trilha, se sentindo apavorado, você esteve completamente seguro e não foi atacado. Por um breve período em que você estava realmente sendo atacado, o medo não existia mais. Tanto esportistas entusiastas de várias disciplinas quanto sobreviventes de situações extremas atestam a mesma coisa: nos momentos de grande pressão e necessidade, a ansiedade dá lugar às nossas habilidades escondidas (aparentemente sobre-humanas) para elas tomarem o comando. Nós nos movemos através do medo, e ele perde seu poder contra nós.

Agora imagine como seria expandir o momento de no-fear (não-medo) de maneira que ele se propague em todo o percurso. O estado resultante é de permanente cautela e prontidão, mas que não exige esforço ou paranóia; aliás, é exatamente o contrário da paranóia. É um estado de movimentos graciosos e eficientes, livre de fear-reactivity, de tensões musculares residuais e em harmonia com os pensamentos ao invés de conflito com os mesmos. Essa é a nossa verdadeira natureza, aquela que repousa escondida na maior parte de nossas vidas, aguardando o momento em que nós aprendemos a mover-nos diante do medo.

Você irá descobrir até mesmo que, sem medo, a trilha na selva escura se torna uma agradável experiência.