É engraçado observar um tracer caminhando pela rua. Ele caminha olhando para todos os lados, como se estivesse procurando alguém. Muito já foi dito sobre como o Parkour muda a percepção das pessoas em relação ao ambiente. Em psicologia, neurociência e ciências cognitivas, percepção é definido como a função cerebral que a partir de histórico de vivências passadas atribui significado a estímulos sensoriais. Através da percepção um indivíduo organiza e interpreta as suas impressões sensoriais para atribuir significado ao seu meio. Portanto, depois que uma pessoa começa a praticar parkour, automaticamente começa a lidar com o meio de forma diferente atribuindo um novo significado ao mesmo e o percebendo de outra forma. Ele repara cada lugar, cada canto, olha os prédios e casas de cima a baixo, fica animado ao ver algum vão ou um percurso que poderia ser feito naquele lugar e, alguns deles, ainda param e ficam admirando.

1607066_10201924949865136_4565224540504263795_nUm exemplo de uma simples mudança que o parkour ocasiona em nossa percepção do espaço foi a explicação dos acadêmicos Jessica Witt, JET Taylor e Mila Sugovic da Purdue University, Estados Unidos. Estes realizaram um experimento muito interessante sobre a percepção de praticantes de parkour e não praticantes. Cada participante foi interrogado se era capaz de escalar três obstáculos (1,94m, 2,29m e 3,45m) e, em seguida, convidado a estimar a altura de cada obstáculo. Como resultado, os tracers, com exceção do primeiro obstáculo, perceberam os obstáculos como menores do que os não praticantes. Assim, creio que por lidarmos de forma diferente com as distâncias e alturas, aprendemos a nos relacionar de um novo jeito com o espaço.

Esta nova interação com o meio, faz com que ao percebermos o lugar observemos diferentes detalhes que passam despercebidos para muitas pessoas. Depois que eu comecei a treinar foi nítido a diferença com que eu me relacionava com o espaço. Os lugares que antes passavam despercebidos, hoje eu sei detalhes sobre eles que a maioria das pessoas não sabe. Descobri as texturas de cada superfície, a distancias entre as coisas, onde está sujo e onde está limpo, o que é firme ou não, posso descrever as particularidades desses lugares como poucas pessoas conseguem. Nós, tracers, conhecemos as características dos locais onde treinamos, e é a partir desse conhecimento que desenvolvemos nossos treinos.

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Após percebermos o meio e observar seus detalhes, damos uma nova função ao lugar através do parkour. A forma com que o parkour se desenvolve em uma cidade está diretamente ligada a arquitetura local e a forma com que os seus praticantes percebem isso. Se há mais lugares planos, eles treinarão mais corrida, se há lugares mais altos, eles serão mais acostumados com altura, se há mais barras e canos, eles terão boas habilidades em laches e movimentos em corrimão e assim por diante. Você já percebeu que quando alguém de outra cidade ou país chega para treinar na sua cidade, onde você treina há anos, ela consegue ver possibilidades de movimentos que você nunca imaginou antes? Isso porque, obviamente, cada pessoa tem uma percepção singular das coisas, mas, principalmente, porque ele está acostumado a treinar em um local diferente. Não importa quanto tempo você treine em um determinado lugar, quando alguém novo chegar ali, tentará fazer algo que você nunca fez antes.

 Particularmente, acho lindo ver como cada cidade tem um “parkour diferente”, ver como cada lugar tem suas particularidades e ver como cada praticante tem uma visão singular sobre o mesmo espaço. Cada lugar é único, cada praticante é único. Não podemos dizer que uma cidade é ruim para a prática de parkour só porque não há lugares parecidos com os “famosos picos de Londres ou Dinamarca”…. Bom, mas isso é história para um outro post; Aguardem!

Matheus Barreto